Ufanias, rivalidades, intrigas, ódios, mortes: argamassa da banalidade do mal?


Tomo emprestado da teórica política alemã, Hannah Arendt (1906-1975), a expressão banalidade do mal[1], conceito por ela desenvolvido no conjunto de sua reflexão filosófica e, preocupações acerca das causas e efeitos catastróficos (concretos e simbólicos) dos crimes cometidos na II Guerra Mundial, no regime Totalitarista do Nazismo.

Quase duas décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial, Arendt publica Eichmann em Jerusalém, fruto dos registros do julgamento de Adolf Eichmann, onde analisa o mal produzido por sujeitos, grupos sociais, que se diziam a serviço do Estado. Ela afirma que este não é um fenômeno natural, de índole individual, se não de atos brotados nas instituições, por homens consentidos, logo, uma opção política de trivializar o mal. Uma ação rotineira de cumprir ordens, sem pensar o sentido moral daquilo que estavam fazendo. O mal se tornava banal. Aquelas atitudes eram trágicas? Reprováveis? Humanitariamente incorretas? Quem teria discernimento moral para decidi-las e julgá-las?

A adaptação dessa ‘aparência’ para os dias atuais, perante aos fatos que assistimos, me deixa assustada. Tudo é fácil e permitido. Os ufanistas circulam com maestria pelos gabinetes dos mais altos escalões da máquina pública, do Presidente da República, aos assessores imediatos. Prometem, em nome do Estado, o que não lhes é de direito. Negociam projetos e ou ações de ‘futuro’, ao tempo que submetem os gestores públicos, estadistas, nas piores condições de gerirem os bens da nação. Os fanfarrões, vangloriam, obtestam as riquezas ilusórias, e submetem os homens e mulheres aos subsolos miseráveis no mundo do trabalho. Digo ao desemprego, dor que trinca o osso da alma. Se ontem serviram à instituição, hoje quem se importa?

E se alguma viva alma se pronunciar, se enveredar para pensar o que se passa, será jogado nas trincheiras das chamadas massas opositoras. E nesse lugar comum há terreno fértil para tramas, rivalidades, intrigas, perseguições. Sentimentos doentios que alimentam o ódio, adesão crescente ao mal. Brecha para o autoritarismo disfarçado de ‘aquele que fala umas verdades’, ou da evidência dos fatos, e necessitam cantar: “Pai afasta de mim esse cálice, Pai”...

No silêncio, será que nascem então, blocos que parecem não discernirem o bem do mal; do autoritarismo conservador para a democracia inclusiva e humanista igualitária. Embriagados pelo micro poder, inibem às vibrações vitais das instituições, e essas, envenenadas, limitam-se a descrever o grave quadro-situacional que assola o pais. O que fazer para mudar a rota? Agora não. Afirmam alguns. É preciso encontrar antes o culpado. Não tenho nada a ver com isso. Talvez o vizinho saiba explicar. E se tempo sobrar dirijo o pensamento para o futuro. E esse, quem está escrevendo? Essas perguntas, para o bem e para o mal criam uma certa histeria coletiva, fruto desse não pensar, ou do pensar acrítico. Banalidades do mal?

Essa noção de banalidade do mal não dá conta de tudo, mas leva-me a pensar porque tanta disseminação das doenças da humanidade, entre elas o ódio. Mais grave que esse seja reproduzido por pessoas consideradas doutas, melhor, de sujeitos possuidores dos mais altos capitais intelectuais, políticos, sociais e culturais. O que esperar daqueles que desses bens são desprovidos? O vazio total do pensamento, ou de sua capacidade de modelar outras formas de tocar a vida, e suas consequências às pactuações societárias rumo a um mundo diferente e melhor? Para isso, não podemos agir acreditando ser nosso dever espalhar ódios e ou outras doenças, para atender cumprimentos de ordens superiores cujas faces são desconhecidas.

Se ao invés de normalizarmos o mal cada vez mais recorrente, de notificarmos a morte como mais um episódio fatal, de negarmos uns aos outros, de perdermos a sinceridade e o calor que caracterizam as relações humanas, entrássemos para a Universidade da vida, com a finca grandeza de reinventarmos os imperativos sentidos de viver entre seres civilizados e amorosos, seguramente não estaríamos vendo os valores da humanidade escorregar por entre nossas mãos. Já passou da hora de cingirmos em nossas veias coragem e prontidão de dizermos não às doenças que contaminam nossos corpos, entre elas, ufanias, rivalidades, intrigas, ódios, mortes, como argamassa da banalidade do mal. Em seu lugar, cimentos para sustentar as placas do amor, alegria, paz e felicidade, alicerçando a vida como bem maior. O resto é banalização do mal.






[1] Livro Eichmann em Jerusalém, obra decorrente da cobertura que Arendt fez do julgamento do nazista Adolf Eichmann em Jerusalém por conta de seus crimes cometidos na Segunda Guerra Mundial.

Comentários

  1. Achei excelente e muito apropriado com relação ao nosso momento nacional. Vamos socializar:esra reflexão merece! Obrigada.

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  2. Achei excelente e muito apropriado com relação ao nosso momento nacional. Vamos socializar:esra reflexão merece! Obrigada.

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