As molduras argutas à formação dos profissionais de saúde, quem fará?



Há mais de três décadas que o Brasil tenta mudar a forma e o conteúdo de prestar atenção à saúde da população. No entanto, todas as iniciativas, por melhor que tenham sido a origem de suas propostas em termos de base filosófica, princípios e diretrizes, não foram suficientes para alterar as bases que sustentam o modelo médico assistencial predominante no país.

Afirmei em minha tese, cujo título foi Programa de Saúde da Família: estratégia de superação das desigualdades na saúde? Análise do acesso aos serviços básicos de saúde, que essas bases não sofreram alterações porque traziam em seus cernes, elementos parciais dos problemas complexos que se enfrentam na construção de um novo modelo, entre eles, a formação dos profissionais de saúde.

Formação essa pautada pelo mercado de trabalho, predominantemente para atender o setor privado, que compete, feroz e impetuosamente com o setor público, para ter acesso aos melhores trabalhadores da saúde. E que se sustenta na tônica de: (1) dissociação entre o ensino das ciências biomédicas (anatomia, fisiologia, bioquímica, farmacologia, bacteriologia) nos primeiros anos dos cursos e as disciplinas de clínica; (2) pouca ênfase nos aspectos de prevenção e promoção da saúde e concentração nos aspectos da atenção médica individual; (3) enfoque na doença sem que seja visualizado o sujeito em suas singularidades; (4) valorização da aprendizagem no ambiente hospitalar, desconhecendo a realidade e o espaço social onde as famílias e comunidades estão inseridas; (5) especialização precoce; (6) enorme descompasso entre as instituições de ensino superior, os serviços de saúde e as comunidades; (7) desconsideração do ambiente de trabalho como princípio pedagógico.

Essas tônicas presentes em todos os cursos na área da saúde, têm tido como consequência a formação de profissionais com perfil inadequado à perspectiva da construção de novo modelo de atenção em saúde. E essa inadequação é percebida não só no aspecto técnico, mas, principalmente, na pouca responsabilização social e compromisso ético com os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

Cientes de que devemos reformar o modo de ensinar, devemos atentar para o que diz a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 200, inciso III, que afirma ser de responsabilidade do SUS, a ordenação da formação de recursos humanos, atentarmo-nos também para as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos do setor saúde (DCNs), e ainda para a Lei nº 12.871/2013, que estabelece diversas medidas indicadoras à mudança da formação de especialistas, com destaque para as Residências, entre elas a de Medicina de Família e Comunidade.

Devemos atentar, ainda, para a continuidade da formação desses profissionais, que devem ser, cada vez mais, generalistas, humanistas, críticos e reflexivos. Nesse particular os cursos de especializações e mestrados profissionalizantes[1], precisam tomar lugares de relevância, uma vez que essas modalidades apoiam os graduados na revisão de suas práticas profissionais, apoiando-os nas transformações, urgentes e necessárias aos tempos atuais.

Sabedora desse compromisso, a Faculdade de Ciências da Saúde (FS), da Universidade de Brasília (UnB), criou o mestrado profissionalizante no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC), em parceria com o Ministério da Saúde (MS), o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), onde mais de 200 profissionais, entre eles dirigentes, assessores e técnicos administrativos, já concluíram suas dissertações.

Agora entram em cena, os profissionais da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, preceptores do cenário de práticas da região Leste (Paranoá, Itapuã, São Sebastião), aqueles que se dedicaram, ou ainda se dedicam, aos Programas Nacionais de Reorientação da Formação em Saúde e de Educação pelo Trabalho para a Saúde (Pró e Pet Saúde/GraduaSUS) e de estudantes das Residências Multiprofissional em Atenção Básica e de Medicina de Família e Comunidade da UnB.

Assim, aspiramos que essas e outras inciativas à formação e/ou complementação da educação para o trabalho, sigam sendo molduradas, nas instituições de ensino superior, de modo a proporcionar à sociedade, profissionais competentes, habilidosos e com atitudes afetuosas, para responderem às necessidades da população brasileira e à consolidação do SUS. E que sejam cristais a serem lapidados na integração ensino- serviço, apontando para o fortalecimento da Atenção Básica à Saúde, por meio de sua Estratégia estruturante: Saúde da Família, como oportunidade singular nos modos atenciosos e carinhosos, dos processos-saúde-doença-cuidado, na direção da promoção de saúde e da qualidade de vida.

Essa é, e deve ser a imagem a compor o quadro de outras molduras para a formação dos profissionais da saúde, e, por consequência dos caixilhos na atenção à saúde dos indivíduos, famílias e comunidades, onde as ornas sejam sustentadas no compromisso ético humanitário, no tocante ao valor da saúde e da felicidade, imperativos de viver. Quem e quando fará? Todos, e hoje, compartilhando os objetivos e as responsabilidades comuns que a sociedade nos deu como missão.






[1] Implantado no Brasil na década de 90, regulamentado pela Portaria Normativa No 17, de 28 de dezembro de 2009, que dispõe sobre o mestrado profissional no âmbito da CAPES.

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