As alturas do poder: flores ou náuseas?



Muitos de nós, que de uma forma ou de outra, vem lutando no cotidiano pelo aprofundamento da democracia como um sistema superior às instituições tradicionais da representação política, certamente recorremos ao pensamento de Hannah Arendt, não só para compreendermos, essencialmente, o que ela nos ensina sobre o conceito de política, participação, espaço público, mas pelo entendimento consecutivo do ‘poder’ como ‘força’ para dominar os espaços e a participação na política.

Digo de pronto que não estou defendendo nenhuma forma de violência, seja ela, de ordem econômica, política, ideológica, cultural, religiosa, familiar, física, racial, étnica, de gênero, silenciadas ou não entre as quatro paredes das instituições e/ou das praças públicas, desaguando, decididamente, na confusão entre a liberdade de manifestação e a coação física, fundindo-se na poeira das pólvoras, mentes e mãos, pouco educadas politicamente.

O que foi visto e vivido, não somente no marcado 24 de maio de 2017, em plena Praça dos Três Poderes e na Esplanada dos Ministérios, testemunhado pela santa fé como fora projetado por Niemeyer em sua arquitetura, remonta as letras do verso de Drummond ‘Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta’. No céu, azul, branco e aberto de Brasília, palco do exercício da democracia, “pôr fogo em tudo, inclusive em mim”, diria o poeta, e acrescentando: “Ao menino de 1918 chamavam anarquista”, e os de hoje? Digo hoje, pois estamos nos espaços públicos, em árduo exercício do poder, sem desejo da violência, agasalhando os direitos de cidadania, que o tempo teima em não chegar à plena justiça.

Não chore Drummond! “De fato, o tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera”. Que essa espera, não seja sem materialidade para explicarmos, por que os muros das instituições e dos espaços públicos estão tão surdos, esconsos, ocultos, secretos? Diz você “Sob a pele das palavras há cifras e códigos”. E mais, há o sol que consola os doentes e não os renova. Não renova aqueles que batem no peito, orgulhosamente, e afirmam: sei cuidar dos meus negócios, tenho clareza dos meus projetos. Inúteis?

Quase 30 anos depois de conquistarmos o Estado democrático de direito, é meu dever me interessar por tudo que é de todos, ainda que o cansaço teime em bater a minha porta, avisando que os velhos e novos problemas não foram resolvidos, alguns sequer colocados em pauta. Outra vez, ele, o poeta, “Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem”.

Perdem, porque juntam-se àqueles que não sabem cuidar de flores que brotam do asfalto, insistem em negar que suas pétalas tem cores, aromas, se abrem, e, são lindas, mesmo que seus nomes não estejam ‘patenteados’ em livros. É uma flor. Furou o asfalto. Por isso necessita ser banhada com água cristalina para retirar, de vez, as cinzas, a poeira do ódio, as crateras das violências.

Para que nunca mais nenhum ministro do Supremo Tribunal Federal tenha que pronunciar as palavras do ex-presidente do STF, Carlos Ayres de Britto: “Há quem chegue às maiores alturas para fazer as maiores baixezas”. Em sua esteira digo que as alturas do poder devem plantar flores para seguirmos acreditando e vivendo a liberdade de expressão, como a maior expressão de liberdade. Náuseas? Nunca Mais!

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