As pessoas em primeiro lugar: normatividade ou justiça distributiva?


Cada vez que pensamos o alto índice de desemprego no Brasil, logo remetemos o problema para os efeitos diretos e indiretos da prodigiosa globalização. Esta, considerada por muitos como uma maravilhosa contribuição da civilização ocidental, melhor, dos grandes acontecimentos da Europa desde os períodos Renascentista, Iluminista e da Revolução Industrial. E que estes traziam amplo progresso nos moldes de vida nesse Continente.
Bem, como não estou aqui para falar desse fenômeno secular, senão para recordar a alguns que o valor do capitalismo de lá e de cá, inspirado e conduzido por dirigentes ambiciosos e agressivos, tanto da Europa quanto da América do Norte, não é incluir as populações mais pobres do mundo, muito menos do Brasil.
Assim, lembro que os recursos orçamentários e financeiros de qualquer instituição pública, não podem superpor aos deveres de assegurar os direitos de uma sociedade ao emprego, e suas condições dignas de trabalho. Enxugar a máquina administrativa e, consequentemente, realizar cortes em serviços essenciais, cuja ausência e/ou diminuição destes, já sabemos antecipadamente, que teremos sérios prejuízos em contexto de ampliação de demandas, é perder a capacidade de criação e inovação, sobretudo em instituições de ensino superior, cuja missão é pensar o futuro, agindo no presente, rumo ao seu desenvolvimento.
Logo, o economista indiano, ganhador do Prêmio Nobel, Amartya Sen, também criador, em 1993, do IDH[1], que não é ‘esquerdista’, instiga-nos a pensar que nossa capacidade de recriarmos e refazermos, é infinitamente maior e mais complexa do que querem crer as magras políticas de instituições que, obedientemente, retiram as pessoas do primeiro lugar para ceder espaços às receitas e ao fechamento de um ‘caixa’ ilusório. Afinal, essa equação nunca fechará, digo eu. Porque são interesses opostos. São possibilidades de escolha social, como um exercício permanente e reflexivo, no encontro de gestores com trabalhadores, também comprometidos com a justiça, tendo como ponto de partida  o princípio da equidade. E não o utilitarismo e os entusiasmos desenfreados por questões normativas, inibidores de abordagens baseadas nas capacidades de encontrar alternativas às métricas racionalistas e tradicionais. É preciso abrir as cortinas do novo, sem medos. É preciso “resgatar a relação perdida entre Ética e Economia, e eliminar a cisão existente entre ambas” (SEN; KLIKSBERG, 2010, p. 10)[2], tal como tem prevalecido no pensamento convencional.
Amartya Sen e Bernardo Kliksberg nos convidam à tomada de consciência dos dois tipos de injustiça, da ‘exclusão injusta’ e também da ‘inclusão injusta’ – e não devemos confundi-las. Logo, penso que o emprego precarizado e acertado como serviço prestado, ‘mão de obra’ produtivista, e não como pessoa, esconde as reais necessidades sociais do emprego, trabalho e renda. Os denominados prestadores de serviços são pessoas, têm expectativas, desejos, sonhos, e pelejam por vidas promissoras. Ainda que na esteira do capitalismo produtivista, se satisfazem em saber que compõem uma equipe e que seu trabalho é compartilhado, não é apenas um ato contínuo, peças em organização, são capazes de fazer algo valorativo.
E, sobretudo, a instituição a qual está servindo, deve deles cuidar, não somente no descanso que é absolutamente necessário, mas, respeitando e valorizando-os como pessoas que são. E que seu trabalho contribui para o crescimento e desenvolvimento institucional, lembrando que Sen afirma que não podemos medir o crescimento ou o desenvolvimento de um país sem levar em conta o que realmente acontece na vida das pessoas. Desenvolvimento econômico precisa significar desenvolvimento do bem-estar social. E devemos prestar atenção, no cotidiano do nosso viver, que estamos em “um mundo de opulência sem precedentes, mas também de privação e opressão extraordinárias. E que recordemos que o desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de cidadão”, dizem os autores (p. 45).
Com isso, podemos afirmar que nenhum trabalho é mera execução, repetição de movimentos, gestos, sequências de atividades ou operações previstas antecipadamente. Se assim não é, faz-se necessário eliminar desses servidores, o medo do dia seguinte, de perda do emprego, no mundo que já lhe excluiu do trabalho e de uma renda capaz de assegurar uma vida mais saudável.
E nós, do lugar que ocupamos, não podemos perder a oportunidade de ajudarmos a encurtar a distância social entre os homens e mulheres – na casa que tem o dever de apontar outras formas de seguir no mundo, e de construir outros ‘destinos’. 



[1] Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado em 1993, juntamente com Mahbub ul Haq, vem sendo usado desde aquele ano pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no seu relatório anual.
[2] SEN, A.; KLIKSBERG, B. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. Trad. Bernardo Ajzemberg e Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

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