A DEFESA DO SUS NÃO CABE EM UMA CORDA BAMBA


                                                                                                                            
Trago, nesse pequeno texto, breves notas sobre as raízes do Sistema Único de Saúde (SUS), como um bem civilizatório do povo brasileiro. Cuja alameda de conquista foi e é dos movimentos sociais, que lutaram bravamente, e persistentemente, pelo direito a ter direitos. Esses, expressos na Constituição Federal (Arts. 196 e 200) e regulado pelas leis nº 8.080, de 19/09/90 e nº 8.142, de 28/12/90. Logo, é dever do Estado garantir o acesso às ações e serviços de saúde de forma universal, igualitária, integral, gratuita e de qualidade. Acrescento, confinando ao passado (pré-constituinte) a apartação entre aqueles que podiam pagar, ditos os incluídos no mercado formal de trabalho, assistidos pelo Ministério da Previdência Social, por meio do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS)[1], e os sobejos da população entregues à própria sorte.
La e cá defendíamos que saúde é um bem civilizatório ao cuidado integral da pessoa humana, de natureza social, político e cultural, logo, não cabe apenas nos arcabouços jurídicos estruturais dos modelos de atenção, pautados pelo cientificismo, tecnicismo e gerencialista, retratos da rota da liberdade do mundo capitalista. Capitalismo revestido sobre as matrizes da propriedade privada, lucros, acúmulo de riqueza, e ardentes desejos da ausência do Estado em seu cumprimento de dever: assegurar a toda população brasileira o direito à saúde, o mais perto possível do seu lugar de moradia, trabalho e convívio comunitário.  
Não podemos tergiversar, nem na capital da República (Distrito Federal), tão pouco em outras unidades da Federação (Estados e Municípios), quanto à abertura, a céu aberto, à luz do dia, da transferência da gestão pública do SUS para entidades privadas, sob o véu dos institutos, caso do Hospital de Base, e/ou organizações sociais, no fluido discurso, falácia, de que o setor privado é ágil, resolutivo, e, portanto, eficiente.
Isso, tem nome de batismo, é sinal de concessão ao capital produtivista, especulativo, à entrada do mercado internacional para ‘vender’ saúde no território brasileiro. Nessa matéria, não há ignorância, se não, a clara evidência de que estamos disputando dois sistemas político-econômicos à consolidação do SUS no pais, e que esses se diferem pelas ideias fundantes e atributos inteiramente distintos.
Portanto, há lados. De um, estamos nós, os construtores e defensores incondicionais do SUS, que, desde sua origem, vem disputando as riquezas nacionais, para assegurar um financiamento justo às reais necessidades de uma nação saudável, ainda que, com tão pouco, muito já fizemos. Do outro, governos apostam nas instituições financeiras nacionais e internacionais, subsidiando, com recursos públicos, os setores privados, transformando o setor saúde em grande mercado, em negócios lucrativos. Alimentando com isso, o imaginário coletivo de que os Planos de Saúde, símbolo de poder de consumo, representam ascensão social, portanto, a subida das classes trabalhadoras ao patamar de cima, embalharando os sentidos dos valores da saúde e da vida. Nessa equação, por melhores que sejam os economistas, a conta não fecha, pois as variáveis de responsabilidades fiscais são diametricamente opostas das responsabilidades sociais.
E ai, não tem respostas às perguntas, por vezes, aparentemente ingênuas, de que necessitamos de resultados, eficiências, eficácias e efetividades, ao invés de problemas, (assim tratam o funcionamento do SUS). Essas formas de abordagens não são desavisadas, desinteressadas, são cantilenas do ‘novo’ liberalismo que virou mantra na boca dos donos do capital financeiro e da tecnocracia, travestida de ‘bons gestores’.
Faz-me lembrar a leitura que Foucault fez do texto de Kant em “Resposta à pergunta: o que é Esclarecimento?” pronunciada na conferência, diante da Sociedade Francesa de Filosofia em 27 de maio de 1978, com o título Qu’est-ce que la critique [Critique et Aufklärung]. Parece ser necessário por diversas vezes, esclarecer, às novas gerações da militância sociopolítica, que outras gerações, incluo a minha, em momento algum vedamos os olhos, sequer colocamos em dúvida de que lado estávamos.
Lembro, novamente, Foucault (2013, p. 32)[2], quando afirma que “a preguiça e a covardia é aquilo pelo que não damos a nós mesmos a decisão, a força e a coragem de ter com nós mesmos a relação de autonomia que nos permite nos servir da nossa razão e da nossa moral”. O que me estimula a convidar a todos(as), para, apoiados em nossa autonomia, sejamos pensantes críticos, não apenas repetidores de discursos panfletários, aos quais nossos aparelhos de televisão já se habituaram a repetir. Muito menos um bambolê, na corda bamba, da ciranda financeira, onde o SUS é tratado como mercadoria.
Fica assim esclarecida, sem lassidão ou temor, a urgente necessidade de ampliarmos os lastros à entrada em cena de outros e novos sujeitos e movimentos, que juntem-se a nós na defesa incondicional dos valores societários do Projeto da Reforma Sanitária Brasileira, ainda em construção, portanto do direito à saúde, expresso no nosso maior patrimônio: o SUS. Para todos(as), nos mais complexos, diversos e diferentes territórios do Brasil, onde seus filhos não fogem à verdadeira luta.



[1] Criado pelo regime militar em 1974,  fruto  do desmembramento do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que hoje é o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).                                              
[2] Foucault M. O governo de si e dos outros: curso no Collège de France (1982-1983). Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

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