A revolução além dos muros da escola: uma nova razão do mundo?
A
nova razão do mundo nos impõe a pensar uma outra ordem de convivência entre
países e nações, respeitando as diferenças culturais e seus modos organizativos
do estado e seus aparatos governamentais. Ao longo do século XX, sobretudo em
sua segunda metade, o mundo sinalizou, com a queda do muro de Berlim, que os
povos já não necessitavam de fronteiras que os separassem entre governos e suas
ideologias. O socialismo e o comunismo apresentavam suas limitações e, portanto,
apontavam os desafios a uma nova ordem governamental e racional que dessem
conta de outras demandas societárias.
Nasce
ai uma outra racionalidade, onde a definição política de governos liberais
(neoliberais), sociais democratas e socialistas, já não era tão evidente assim.
As políticas do centro à direita e/ou à esquerda, necessitavam se refazer em
busca de uma explicação no mundo capitalista, quiçá mais ‘humanizado’. Ainda
que o mercado seguisse ocupando a primazia das políticas capitalistas de
estados e seus governos, estes, ao invés de regulá-lo, eram, e seguem sendo, indutores
dos caminhos a serem adotados pelas políticas governamentais, que de puritanas,
nada possuem, à luz do que já nos apontava Weber (LÖWY, 2014, p. 101).
Ainda
segundo Weber, esse mesmo capitalismo define-se como “forma natural e
necessária da economia moderna” [...] com uma força ‘irresistível’”. (LÖWY,
2014, p. 103). E mais, reduzindo a humanidade a culpados por seus destinos
desafortunados; substituindo o ser pelo ter, reduzindo as qualidades humanas ao
dinheiro; devendo sempre ampliar seu capital; e, intensificando cada vez mais a
cultura do acúmulo excessivo.
Associando
estas primeiras impressões à teoria da racionalização de Weber, nos deparamos
com uma análise moderna que funde a “categoria weberiana da racionalidade
formal [...] com as categorias marxianas de trabalho abstrato e valor de troca”
[...] (LÖWY, 2014, p. 113), pois assistimos a transformação dos objetos em
mercadorias a partir da quantificação “abrangendo todas as formas de aparição
da vida social”. (ibdem).
Por
sua vez, Foucault nos contempla com o termo racionalidade como uma tentativa de
“estruturar e organizar, não apenas a ação dos governantes, mas até a própria conduta
dos governados” (DARDOT e LAVAL, 2016, p. 17). Essa racionalidade política em
Foucault, se apresenta diretamente com a questão da governabilidade, ou seja,
uma racionalidade governamental.
“O
termo ‘governamentalidade’ foi introduzido precisamente para significar as
múltiplas formas dessa atividade pela qual os homens, que podem ou não
pertencer a um governo, buscam conduzir a conduta de outros homens, isto é,
governá-los” (op. Cit., p. 18). Governar seria, portanto, buscar a liberdade de
maneira ativa no espaço livre oferecido aos indivíduos, proporcionando aos
múltiplos atores sociais respostas ao que buscam, contra o economicismo,
gerando então uma ‘governabilidade neoliberal’, isto é, gerando novos modos de
governar a sociedade, a partir da concorrência de mercado generalizada.
A
captura do indivíduo nessa nova lógica, demanda então numa relação deste mesmo
indivíduo consigo e com outros, numa lógica de concorrência sem limites na sua
relação com o mundo. Outrossim, não apenas o Estado é promotor de condições
ideais para otimizar o livre mercado, mas se torna guardião das novas regras e
também se submete a elas.
É
nesta democracia capitalista moderna que “a desigualdade e a exploração
socioeconômica coexistem com a liberdade e a igualdade cívicas”, como nos
aponta Wood (2011, p. 173), e onde os trabalhadores se submetem à competição e
à maximização dos lucros. Trata-se, portanto, de uma democracia liberal
moderna, que passa a ser incorporada à vida.
A
degradação dos direitos trabalhistas, a redução do valor das aposentadorias e a
perda brutal e desumana da empregabilidade, são alguns dos exemplos que Dardot
e Laval (2016) utilizam para nos apresentar o que se pode ajustar em nome da
adequação à globalização, deixando de lado, definitivamente, uma possível
política econômica do bem estar. O maior resultado disso: os inúmeros e vastos
conflitos que passam a afetar a sociedade em seu conjunto, afinal, nesta nova
ordem mundial, temos a figura de um Estado empresarial, ou seja, uma nova
racionalidade.
Esta
nova racionalidade “propõe um tremendo desafio à esquerda: não podendo
contentar-se com uma crítica incisiva à ‘mercantilização generalizada’, ela tem
de inventar uma resposta política ‘à altura’ do que o regime normativo tem de
inédito” (DARDOT e LAVAL, 2016, p. 389). Como nos inspira Foucault, governar é
‘dispor coisas’, entendendo que estas coisas estão intrínsecas aos homens. A
ideia de governamentalidade então passa a unir a ideia de governo dos homens,
diria, dos indivíduos, à administração das coisas.
Fugir
de uma prisão é mais fácil que se livrar de um sistema normativo, ou seja, de
uma racionalidade. Desta feita, faz-se necessário utilizar um caminho que
promova “formas de subjetivação alternativas ao modelo da empresa de si” (op.
Cit., p. 396). Esta compreensão pode nos levar à reconquista do indivíduo, a um
redesenho do seu poder de conduta, a novas estratégicas de gestão da informação
e da comunicação em massa, bem como a modelos autoempreendedores,
viabilizando-nos uma nova razão de mundo.
Para
nos posicionarmos diante desta nova razão de mundo, precisamos, sobretudo,
rever o oportunismo que tem habitado em diversas condutas; reavaliemo-nos
quando vamos às praças públicas, erguemos bandeiras, julgamo-nos defensores dos
injustiçados históricos, desafortunados, e entretanto, ao regressarmos a nossa
morada, deparamo-nos com situações semelhantes porém, as bandeiras
anteriormente erguidas, não mais tremulam. Interesses? Apatia? Ou ausência de
holofotes? As causas pelas quais lutamos em nome da liberdade e dos direitos
coletivos temos que trazer como um dever a ser seguido como exemplo a esta coletividade,
em seu conceito mais humano.
A
‘revolução’ por conveniência ou aquela que se opera no ápice da conduta
ignorante de cargos efêmeros do governo dos homens, também se assemelha a atitudes
irresponsáveis, que em nada são superadas frente à tomada de decisões passadas
adiante sob a justificativa do desconhecimento, falta de criatividade,
aprisionamento aos ditames de crises e a ausência de domínio, mesmo que frágil,
da gerência do público humano.
Entre
les Murs é o nome original do filme francês de 2008, lançado no
Brasil no ano seguinte, com o título Entre os Muros da Escola. Trata-se de
uma película singular, revolucionária em seu tempo e em seu estilo, que nos
mostra uma
contundente ‘aula’ de reflexão sobre as práticas pedagógicas e as diferentes
maneiras de se lidar com inúmeros problemas, entre os quais poderíamos citar
todos sobre os quais aqui discorri.
Afinal, nem sempre percebo que o objetivo maior que move nossas escolas seja o formar cidadãos que pensem
por si próprios. Diria mais, nem sempre é levada em consideração a nova razão
do mundo, que precisa ser coerente com a humanidade nos processos de gestão, que
precisa colocar em cena estes seres humanos como protagonistas dos seus
destinos e do seu país, na elevação dos seus maiores bens: emprego, renda,
habitação, saúde, educação, transporte, lazer, seus direitos mais dignos. Há
outras revoluções?
Referência Bibliográfica:
DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a
sociedade neoliberal. Trad. Mariana Echalar. 1a ed. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2016.
LÖWY, M. A jaula de aço: Max weber e o Marxismo Weberiano. Trad. Mariana
Echalar. 1a ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.
WOOD, E.M. Democracia contra o
capitalismo: a renovação do materialismo histórico. Trad. Paulo Cezar
Castanheira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.
Doutora honoris causa pela Universidade Federal
da Paraíba, professora associada do Departamento de Saúde Coletiva, da
Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade de Brasília. http://lattes.cnpq.br/7405541534944144
Vamos todos juntos por uma educação que forma cidadãos de vedade.
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