O novo modelo de Saúde Pública no DF é a privatização?
Foto: Rogério Lopes.
Falar de novo modelo de atenção à saúde, começando pela privatização do primeiro Hospital criado no Distrito Federal, exige de nós, profissionais da saúde, esclarecer à população, algumas questões não ditas.
Primeiro, não é dito que as rígidas normas
da administração direta do Estado brasileiro, que circunscrevem as licitações,
compra de produtos, contratação de pessoas, entre outros, não podem ser
creditadas como problemas de gerenciamento do Sistema Único de Saúde. Se não,
de uma ausência de Reforma Administrativa, onde o Estado assume seu dever de
proteger, nesse particular, o direito à saúde da população. Para isto, paga-se
impostos. Ou seja, o povo delega aos seus governantes a tarefa de administrar
seus bens. Ao invés de gerenciar, com competência, criatividade, respeito, e humanização,
tomam-se atalhos para defender
interesses de diferentes naturezas, sobretudo, com alianças entre partidos,
grupos políticos, cujas moedas de trocas, das mais perversas, custam as vidas daqueles que deveriam
proteger.
Segundo, não é dito o histórico e grave problema do subfinanciamento, desde
o embate na Assembleia Nacional Constituinte, até os dias atuais, que também
não pode ser motivo para transferir à iniciativa privada, e/ou subdelegar ao
denominado terceiro setor (Organizações Sociais, Institutos, e outros), as
responsabilidades político-econômicas e sócio sanitárias de priorizar a saúde
como um bem inalienável da população de Brasília. O que se vê, a olhos
públicos, é a falta de decisão política de investir nesse setor, desde os ditos
governos de direita, aos de centro esquerda. Governos após governos, o que se
vê é a indisposição, acomodação, e a ausência de coragem para pensarem outras formas
de investir na saúde pública e de qualidade na capital da República, essa que
deveria ser exemplo para o Brasil.
Terceiro, os discursos sobre a falta de
agilidade nas compras de medicamentos, equipamentos, e outros insumos de apoio
diagnóstico/terapêutico, além das dificuldades nas contratações de novos
servidores, e a diminuição da oferta de ações e serviços de qualidade, reforçam
o imaginário coletivo que esses são problemas do SUS, e, por consequência, não
vale a pena lutar por ele. Desse modo, os governos contribuem para a inviabilidade
do Sistema, quebrando-o por dentro. Dito de outra forma, assim nascem as justificativas
à terceirização, à contratação de prestação direta de serviços por entidades
privadas, ainda que ditas sem fins lucrativos, e, com isso, fragmentam e
fragilizam os rumos da construção de um “Novo Modelo de Atenção e Gestão de um
Sistema Universal, Integral, Equânime e de Qualidade”.
Quarto, usam do argumento de base constitucional, citando em suas justificativas
o art. 199/CF/88, que diz: “A assistência à saúde é livre à iniciativa
privada”. Entretanto, não mencionam a dura luta na Assembleia Nacional
Constituinte entre as forças progressistas do movimento sanitário brasileiro e
o “Centrão”, este representando os interesses do setor privado, melhor, dos
seus financiadores de campanha.
Muito menos
falam em suas peças justificatórias, que a iniciativa privada somente pode
atuar na saúde em áreas assistenciais, desde que regulada pelo Estado. Desde lá
seguimo-nos indagando, afinal o que é saúde? A prevista no art. 196 tem ampla compreensão,
e, por isso, devemos tratá-la em sua complexidade. Incluir o direito à saúde
como resultante tão somente da garantia do acesso universal e igualitário às
ações e serviços de saúde, desprovidos dos seus determinantes e condicionantes políticos,
sociais, econômicos, ambientais, culturais, geracionais, de gênero, raça e cor
... reduzem e impõem o desenho de um arcabouço jurídico-político de um modelo
de atenção e gestão voltados para o complexo médico industrial, cujas bases
mercadológicas são as doenças e seus aparatos sustentadores.
Qualidade de saúde
e vida? Disso, não se fala. E, ao não se
falar, o Estado Brasileiro segue financiando, à luz do dia, as cooperativas
médicas, as organizações sociais, os institutos, logo, o setor privado; a tão
falada Saúde Suplementar. Não é por acaso, que 70% da capacidade hospitalar do
SUS são comprados através de contratos e convênios de hospitais privados e
filantrópicos, além dos incentivos aos planos de saúde. Todos são, a bem da verdade,
financiados, subsidiados pelo Estado Brasileiro. Melhor, descontados em seus
impostos de renda em pessoas física ou jurídica.
Enfim, por que
não explicam à população o que está por trás da decisão política, sem
evidências econômicas e técnicas, todavia, com base em interesses os mais
diversos, a exemplo dos apoios dos partidos da velha política que, desde
sempre, defendem a ausência ou diminuição da presença do Estado nos
investimentos dos bens e serviços de natureza pública. Incluindo aí o apoio dos
partidos ditos “progressistas” que, ao longo das últimas décadas, vem
reproduzindo os males que, historicamente, desde o início do século XX, vimos combatendo. Assim, não podemos dar um só
passo atrás.
Nossa proposta
é clara. Construir um novo modelo de atenção e gestão balizado nas condições
dos processos saúde-doença-cuidado, nos territórios onde vivem, moram,
trabalham, e sonham cada indivíduo, famílias e comunidades, em suas expectativas
de saúde e não de doenças. Esse modelo nasceu, vem sobrevivendo para substituir
o tradicional, focado no mercado e em seus lucros perversos, degradantes, medicalizantes,
hospitalizantes, e, seguramente, caros. Há dez décadas, sabemos disso. O resto
é conduta de políticos e governantes que trabalham de costas para a população.
Essa é a exata mensagem que tento passar aos meus alunos quando falo sobre SUS. Enquanto o maior financiador do setor privado da saúde (desde hospitais até indústrias farmacêuticas, cujo maior comprador é também o setor público) for o Estado Brasileiro, viveremos com uma aura de subfinanciamento.
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