GDF se autodeclara incapaz de gerir o SUS.
Maria
José Maninha[2]
Sob
a justificativa de elevar a produtividade da saúde em 20%, somente para este ano,
a Secretaria de Saúde do Distrito Federal altera as normas de gerenciamento do agora
Instituto Hospital de Base (IHBDF). Aquele que funcionou por 57 anos como
Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), sendo referência em trauma,
cardiologia, oncologia e neurocirurgia, doravante promete garantir agilidade
nos atendimentos, nas compras de insumos e melhor qualidade no acesso e
conforto aos pacientes, com um orçamento de R$ 602 milhões, permitindo uma
significativa elevação também no número de cirurgias, internações e consultas.
Desde o momento
em que o governo do Distrito Federal começou a dar suas justificativas para tal
iniciativa, as promessas de um senso espetacular tem sido considerado pela
imprensa e pela sociedade, como enganosos, ou inconsistentes, em se tratando de
uma análise entre o sistema de gestão imposto à população e o que prevalecia
até então. Assim, por que devemos compreender o que significa tal mudança? O
Instituto criado para gerenciar o Hospital de Base, nada mais é do que um ente
privado, sem fins lucrativos, mas criado para gerenciar o ente público, em
outras palavras, uma incapacidade assumida pelo Governo de gerenciar a Saúde no
DF.
Um dissenso, se
considerarmos que o Sistema Único de Saúde (SUS) nos garante, não somente o
acesso universal à saúde, mas também a capacidade de vigilância desse sistema,
bem como a corresponsabilidade dos gestores públicos pela qualidade dos
serviços oferecidos à população. O problema do qual estamos falando não é de
modelo de gestão em saúde, mas de gestão pública que se autodeclara incapaz de
cumprir o seu papel.
É dever do
Estado prover saúde gratuita à população, diz a Constituição. Além disso, os
sistemas regulatórios devem ser os mais rigorosos a fim de garantir a gestão
lícita e transparente do erário público, por isso não há lugar para
permissividades nesse quesito, em especial quando se trata de eficiência na
gestão do setor público de saúde.
O
Instituto é uma reinvenção do privado, que permite atalhos ao Estado para
maquiar sua incapacidade de gerir a máquina. Criam-se decretos sob argumentos
de aumentos astronômicos e melhorias à saúde, mas que, na verdade, não
acontecem. A história já nos mostrou essa falácia no que tange aos riscos da formação de empregos indevidos e
lacunas para fraudes. O problema da saúde no DF não é apenas o regime jurídico
dos servidores e os modelos de compras e contratações. Trata-se de um problema
básico de ausência de um modelo de atenção integral onde cada indivíduo,
família e comunidade possam ter acesso à saúde, o mais próximo possível de suas
moradias.
O DF já adotou esse
caminho e sabe que é possível, lembremo-nos do Saúde em Casa. Nesse modelo, os
Agentes Comunitários de Saúde (ACS) eram protagonistas do cuidado da saúde e
não da doença, permitindo a redução de leitos, de compras de insumos hospitalares,
e maior qualidade no processo de trabalho dos profissionais das equipes. Isto
também evitava que as pessoas perambulassem, batendo de porta em porta, por um
atendimento que deve ser oferecido na rede básica de saúde. Este sim, é o
modelo de atenção e de gestão da saúde que o DF necessita: radicalizar no
cuidado de casa em casa, cuja regulação será ditada pelo cuidado respeitoso e
humanizado, a partir do qual a população tenha segurança e ateste que o Estado,
de fato, a está protegendo.
A autonomia significa
a real liberdade, dos ACS aos demais profissionais de saúde, em planejarem e
executarem os processos de trabalho segundo as reais necessidades de sua área
de atuação, sem desvios de função. Nesse modelo não cabe aumento de
produtividade, pois este é o alimento que engorda o complexo médico industrial,
uma variável que não faz bem à saúde. Mais do que pessoas confinadas em atos
cirúrgicos, precisamos de vida onde todos os tipos de famílias sintam-se
felizes e com bem estar para circularem por todos os recantos do Distrito
Federal de forma saudável.
[1] Enfermeira, professora da Universidade de Brasília. Doutora honoris causa pela Universidade Federal da Paraíba e Pós doutora pela Université du Québec à Montréal. E-mail: fatimasousa@unb.br
[2] Médica, ex-secretária de Saúde do Distrito Federal e ex-deputada federal.
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