Afinal, o que é Ciência?
Muitos conhecem a origem da palavra Ciência, que vem do
latim, scientia, e
que pode ser traduzida por conhecimento ou sabedoria. Não apenas duplas
palavras, sem sentidos societários ou humanos, no horizonte dos valores democráticos.
Ainda que possamos compreender que todo conhecimento implica em poder, este
deve ser traduzido, melhor, ocupado para servir, com audácia, aos bens
civilizatórios das instituições, pessoas e da humanidade.
E combinando com a sabedoria, essa com assente nas
responsabilidades éticas, políticas e sociais à eliminação das enfermidades, por
que ainda adoecem e matam as reais condições necessárias
para uma vida plena, feliz e amorosa? Nesse ínterim, destacam-se então a
mentira, a arrogância, truculência, ironia, desrespeito, entre outras moléstias
advindas da erudita pseudo scientia.
A mentira é o pecado que pavimenta todos os demais pecados da
modernidade, como nos afirma o filósofo e neurocientista norte-americano Sam
Harris, em seu livro Lying (Mentindo, 2013).
Acrescento, não só deixa enfermo aquele que omite a verdade, todavia, amontoa-se
em seu entorno uma espécie de vírus, capaz de contaminar toda a arqueologia dos
entes (pessoais e institucionais) que estão vacinados contra essa doença. Ademais,
uma indisposição, uma espécie de febre que ande nas veias e artérias do
coração, confundindo os sinais da realidade, embaralhando com uma narrativa que
serve somente para desconstruir a verdade, logo, sem diagnóstico e terapêutica
ao fiel tratamento do mal.
A arrogância não
é apenas um microrganismo, bactéria, agente definidor no “exame de saúde”, da ausência de humildade, respeito,
tolerância. É a principal causa da “quebra” de harmonia nos relacionamentos
interpessoais, profissionais e institucionais. E, sobretudo, a virulência capaz
de contaminar o trabalho em equipe nas organizações e do sucesso nas
relações sociais. Diagnóstico assertivo: arrogância, você necessita sair da
lista das piores moléstias que afligem os direitos humanos em suas diferenças,
necessidades e expectativas, na construção de outras formas de conhecimentos e
saberes. Tratamento a sua eliminação?
Inserção, apropriação em processos
estruturados e conscientes de mudanças dos espaços das instituições públicas e
de outras naturezas. Mais forte, perfeito diria, o banimento das ideias de que somos todos nós indivíduos únicos, especiais, e temos todos
o direito de explorar a riqueza luminosa de nossa individualidade. Diria ainda
o protagonismo no sentido invertido. Faz-me lembrar o documentário The Century of the Self (O Século do Eu),
do produtor britânico Adam
Curtis, guardando todas as diferenças
no agrupamentos das ideias.
A ironia é o sinal e sintoma de agravos que
indicam manifestação ao sentido avesso do que se deseja como
saudável nas relações humanas. Afinal, achincalha, maltratada, fere e
adoece a saúde mental dos sujeitos coletivos, promotores de ambientes verdadeiramente
saudáveis. Pois sua raiz é construída de expressão literária ou em figura de
retórica, de linguagem contrária ao que se deseja anunciar. Em 1967, o filósofo francês Guy Debord escreveu A Sociedade
do Espetáculo, em que propõe que, “no mundo
moderno, somos induzidos a preferir a imagem
e a representação da realidade
à própria realidade concreta” (1). Ou seja, caminhamos para
espetacularização das nossas vidas, para um gradual empobrecimento das relações
humanas. Há doença maior, nas sociedades ditas modernas?
O desrespeito, por sua vez, fere mortalmente a
Declaração Universal dos Direitos (1948). Quase 70 anos após, em uma CASA, cuja
missão é produz conhecimento e sabedoria à defesa dos direitos humanos,
sobretudo, em momentos de crises múltiplas, onde aumenta o discurso do ódio,
essa doença tem que ser tratada cotidianamente, para evitarmos que os vírus da
maldade sigam se espalhando pelo chão das “fábricas de ciência”.
Assim, nós, professores(as), estudantes, técnicos(as)
administrativos(as), gestores(as) públicos(as) devemos, por dever de oficio, e
por decidido posicionamento ideológico, político, ético e social, evitarmos as
liquidezes das relações institucionais e, quiçá, pessoais. Nesse sentido, aproximamo-nos
da teoria do sociólogo polonês Zygmunt
Bauman sobre a sociedade líquida. Por “líquida, entende-se uma sociedade
em que não há papeis sociais rígidos nem certezas sólidas. Tudo, portanto, é fluído e não somos obrigados a
assumir um compromisso duradouro com qualquer papel social ou pessoa”. (2)
Se assim for, estamos perdendo as referências às proposições
e construções de sociedade sólidas, logo, verdadeiras, humildes, respeitosas, livres
e justas. Se as instituições de ensino, desde a primária até a superior não
zelarem por esses fermentos, quem o fará? E tantas outras gerações, décadas,
séculos adentro seguirão sem a resposta, e mais grave, matando os valores da
nossa humanidade: Afinal o que é ciência? Acrescentaria e para que serve?
Maria Fátima de Sousa é Doutora honoris
causa pela Universidade Federal da Paraíba, com pós doutorado pelo Centre
de Recherche sur la Communication et la Santé (ComSanté), da Université du
Québec à Montréal (UQAM). Diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB
onde é professora do Departamento de Saúde Coletiva. E-mail: mariafatimasousa@uol.com.br
Referências: 1 e 2. As 7
doenças que estão matando nossa humanidade. Disponível em:
Acesso em 24 nov 2017.
Comentários
Postar um comentário