A Enfermagem brasileira é imprescindível ao Sistema Único de Saúde
Tomei por surpresa as últimas notícias que circularam no país acerca de uma
ação judicial da 20ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, solicitada pelo
Conselho Federal de Medicina (CFM), para que sejam suspensas várias das
práticas rotineiras dos profissionais da Enfermagem. A princípio, imaginei ser
vírus nas redes sociais. Depois, ao ler diversos documentos socializados por
colegas comprometidos, historicamente, com nossas lutas, vi, por um lado, a
insensatez do CFM, e por outro, a falta de conhecimento do juiz. Por isso
decidi por posicionar-me.
Antes de qualquer dúvida, me explico que não
falo como diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de
Brasília, que possui entre os seus cursos, a Enfermagem nota 5, avaliada
recentemente pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENAD) e pelo MEC, fruto da dedicação exclusiva de professoras(es),
estudando, com centenas de alunos. Oferecemos ao mercado de trabalho, não
somente enfermeiros(as), se não, homens e mulheres comprometidos com o
fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), em particular, e com os
processos civilizatórios do nosso imenso Brasil.
Tão pouco falo da cadeira de professora
universitária que sou, porque desse lugar, tenho convivido com os estudantes da
graduação a pós, preocupando-me com o aprofundamento de suas pesquisas, desde a
iniciação científica ao pós doutoramento aqui na FS/UnB, e em outros grandes
centros dentro e fora do país. Investimos nosso tempo na renovação dos modos de
ensinar e aprender, pautados na transdiciplinaridade, interprofissionalidade,
e, essencialmente, na interinstitucionalidade, onde a corresponsabilidade da
integração ensino-serviço e comunidade, tem a Enfermagem e Medicina em suas
linhas de frente. Logo, as inovadoras práticas educativas não deixam espaço e
tempo para a pobreza da corporação, expressa, por poucos médicos, com a clara
evidência de circunscreverem seus atos e com o desejo de reserva de mercado. Assim
vem, em luta aberta na defesa do Projeto de Lei 7.703/06 (Lei do Ato Médico -
Senado Federal, 2006) que, certamente, não caberá nos tempos modernos da
construção coletiva dos saberes e práticas de todos os profissionais, muito
menos nos jalecos brancos, símbolos da união e da defesa da saúde do povo
brasileiro e de todos (as) aqueles que escolhem nosso país com sua segunda
pátria.
Também não me coloco na condição de
ex-coordenadora do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e parte
integrante da equipe, composta majoritariamente por enfermeiras, que formularam,
implantaram, e vem acompanhando ao longo das últimas décadas, a Estratégia
Saúde da Família (ESF). Iniciativas cuja responsabilidade era, é, e serão de mudar
o jeito na estruturação e organização das ações e serviços, configurados em
redes integradas de saúde, tendo na atenção básica seu alicerce, cujos
resultados são de domínio público. Ajudamos a redefinir o retrato da saúde
pública brasileira. Não sou eu quem afirma, mas a produção técnico científica,
por meio de milhares de artigos, textos, livros, publicados em periódicos
nacionais e internacionais de alto padrão.
Mais que isso, a alegria estampada nos rostos
de quase 194 milhões de brasileiros que viram seus filhos atravessarem os
primeiros ciclos de vida de forma saudável, livres da mortalidade infantil. De
igual maneira, as mulheres de Norte a Sul, que tiveram suas primeiras consultas
de pré-natal orientadas por quase 52 mil enfermeiras que compõem as Equipes de
Saúde da Família, evitando o aumento nas taxas de mortalidade materna em mais
de 5.456 cidades.
Tantas outras mortes foram evitadas com as
visitas domiciliares de 32 mil Agentes Comunitários de Saúde (ACS), todos
acompanhados e capacitados pelos enfermeiros.
Com isso, os cuidados longitudinais aos agravos de Hipertensão,
Diabetes, Hanseníase, Controle de Câncer de mama e uterino, entre outros, foram
mudando o retrato da Saúde no Brasil. Por esses e outros resultados, a Organização
Panamericana de Saúde - OPAS/MS, outorgou-me o Prêmio Sérgio Arouca, em sua
primeira edição, abrindo caminhos a tantos outros organismos internacionais a
reconhecerem os valores e princípios organizativos da Estratégia Saúde da
Família.
Também não falo sequer como enfermeira,
portanto livre de corporações. Sento-me na primeira fileira como com militante
convicta do Projeto da Reforma Sanitária Brasileira e do Sistema Único de Saúde.
Desse lugar, muitos de nós ocupamos assentos estratégicos, fazendo a diferença
no Congresso Nacional (Câmara e Senado), nas assembleias e câmaras
legislativas, nos posicionando na elaboração de leis que assegurem os direitos
humanos, sobretudo o da Saúde.
De igual maneira assumimos funções
sócio-políticas da mais alta relevância nas cadeiras juntos às Universidades,
Institutos, Centros, Faculdades, Cursos e Núcleos, coordenando, com maestria, a
responsabilidade em formar, qualificar e educar os atuais e futuros
profissionais para o setor saúde do público ao privado; alimentadas por
pesquisas vitais ao pleno desenvolvimento de Politicas, Sistemas, Serviços e Ações
dirigidas, sobretudo, à prevenção, promoção, tratamento, recuperação e cura de
agravos, emergentes, reemergentes, epidêmicos, epidêmicos e pandêmicos, sem
medir nenhum esforço na missão de (re)construir territórios saudáveis nos mais
diferentes recantos dos 5.565 municípios em um país, diverso, plural e, por vezes,
singular.
Tenho dúvidas que esse juiz e alguns médicos
que compõem o CFM tenham conhecimento das funções político, técnico e
científica da Enfermagem na sociedade brasileira. Muito menos não tenham
ciência que, desde o início do século passado, esse profissional assume seu
lugar com liberdade, dignidade e autonomia, construindo legitimamente sua práxis
cada vez mais inovadora e comprometida com a valorização da saúde e vida da
população brasileira em geral, e no particular, ao desenvolvimento e
fortalecimento do SUS, logo imprescindível.
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